terça-feira, 6 de dezembro de 2022

sem fantasia

 como é que a gente lida com esse escorrer entre os dedos que é o tempo presente? como é que não calcula, não olha pra trás nem muito além daquela linha do horizonte que pode ser um traço acima do se perder nas imaginações?

como é?

como é que vive sentindo um caldeirão mas precisando ser terra no meio do mar, porque onde quer que se olhe há linhas e linhas de horizonte chamando igual sereia e esperando você ir lá se embriagar de fantasias outra vez. Ou há uma linha imaginária que te segura, também?

 Ah, criança.

se eu soubesse que desde cedo corria o risco de não saber viver com as ilusões, te trazia mais pra terra e tentava te criar pegando um pouco mais de sombra.

mas cá estamos e aqui. 

não há outro segundo que não o mesmo que acompanha agora o seu ar a expirar. deita, e te consola, que o ar lhe há de chegar.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

atravessamentos

tem uma espécie de planta que eu não vou lembrar o nome, mas que, quando a gente encosta, ela se fecha. também é chamada de dormideira ou sensitiva, mas não é a márcia sensitiva, é a planta sensitiva.

parecido com quando a gente é tocado por alguma coisa, ou por alguém, e é atravessado por ele. é disruptivo. e o que nos atravessa não vê camadas, ou faces, ou barreiras: simplesmente acontece. e acontecendo, passa a existir e e a refazer o que já tinha. tinge de várias outras cores as cores que já tinham. 

resta saber se a sensação de ser atravessado é maior que a angústia de passar por isso, ou se o inédito do atravessamento compensa mais.

vejamos.

do que foi e do que será

 hoje foi o erasmo. na última semana, a gal e o boldrin. e daqui a pouco se vão mais alguns, com pesar.

hoje também no programa de rádio que eu gosto de escutar o tema era o lugar da música na sua vida. e os ouvintes contaram histórias alegres, tristes, emocionadas de músicas que fizeram parte da história de vida deles. uma das histórias era de uma mulher, já senhora, que perdeu a mãe muito repentinamente. e, quando isso aconteceu, uma música em específico virou o seu maior consolo e companheira de luto. as minhas são várias. essa semana também, em conversa com um amigo, falamos sobre como a música pode ligar toda uma comunidade.

música e história são duas coisas tão interligadas que é quase impossível alguém não ter uma história pra contar. ou não lembrar do que já viveu embalado por alguma.

lembro que quando a Gal morreu, seu filho, Gabriel, contou que questionou o porquê do velório ser aberto ao público e não só aos familiares, já que ele, adolescente ainda, queria viver seu luto com mais privacidade e isolamento. o que lhe disseram é que o artista é pro público, às vezes, alguém que participou mais da vída cotidiana e da intimidade que os próprios familiares, e que a morte de um artista pode doer no público muito mais que em pessoas da própria família.

faz tanto sentido. a morte de um artista é um luto coletivo da nossa identidade enquanto pessoa e enquanto brasileiro. é um luto de uma história muito bem sentida e intensamente viva no nosso coração.

não gosto de imaginar quem vai ser o próximo a precisar nos deixar. ainda bem que nos deixam só fisicamente, porque sua história, sua música e sua vida vão para sempre continuar.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

tudo sobre o amor

o amor circula meus pensamentos e impressões sobre a vida desde que eu tinha idade suficiente pra questionar o que era e o que importava ter amor.

lembro da sensação de sentir amor por uma situação e lembrar dela repetidamente tentando sentir de novo o que aquilo tinha provocado.

lembro de sentir o peito quente, como se uma fogueira queimasse por dentro e a vontade fosse transbordar.

lembro da sensação de me sentir animada com alguma coisa que iria acontecer ou que talvez fosse ser entregue como presente.

e lembro de nunca discernir se a sensação era de se sentir amada, ou sentir amor, ou querer dar amor, ou sentir que vivia algo amoroso - que não é amor - mas tem amor dentro.

acho que hoje eu diria que o amor é um ingrediente, igual a farinha é no pão. não é algo tão puro ou direto ou concreto. é algo que faz parte.

a farinha tá em tantos lugares e preparada de vários jeitos. e a nossa experiência não é só uma: são várias. fazer o pão ou a pizza com a farinha e sentir ela escorrendo e melecando no dedo sabendo que aquilo vai virar algo gostoso. sentir o cheiro do forno quando aquilo tá cozinhando e não saber descrever o prazer que é sentir um cheiro e imaginar um gosto. comer com os olhos aquilo que ficou bonito e que pelo olhar dá pra sentir o gosto na boca. comer! dá pra descrever a sensação que é comer quando você tá com fome e sabe que é gostoso?

não é a farinha. não é o amor. é o onde, quando, como, com quem, é o sentir, não fantasiar. e também não quer dizer alguma coisa. na realidade não quer dizer nada. a não ser que a gente faça algo com ele (e o saboreie quando estiver sendo servido) e absorva, consuma, desfrute de onde ele estiver.

porque a gente se acostumou a consumir e restringir amor ao amor romântico e acabou consumido por ele no fim sem se sentir amado?

o amor é a farinha. tem até no supermercado. é só a gente saber ver, saber preparar, saber desfrutar e saber oferecer. e é melhor que a farinha: não precisa de receita. talvez seja exatamente nesse ponto que a gente peque, procurando um jeito certo, mas isso é o nosso aprendizado de roteiros. viver não tem roteiro, não tem sequência, é oceano: estamos mergulhados no amor sem saber olhar em volta e mergulhar em profundidade. façamos. vamos amar!

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

 tô tentando entender

entre o começo e o fim

que parte é essa que chamam de 

meio do caminho?

tô tentando entender

em que língua é essa que falam

de uma coisa que se desdiz e disse outra

tô tentando entender

embora custe um tempo que poderia ser usado só pro fazer


08.09

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Mar inheiro

Somos mar inteiro

assustados com a nossa própria dimensão,

ignorantes das forças que nos habitam.

Preocupados em ser rio,

buscando uma represa 

que enfim vá nos segurar.

Mas somos mar,

na claridade das ondas 

ou na escuridão do oceano

nas águas rasas do início

ou nas profundezas das águas salgadas.

somos mar 

na calmaria 

e na tempestade 

no silêncio da maré baixa 

ou na explosão da maré cheia.

Sejamos mar 

aceitemos nossa grandeza.

O que nos falta talvez seja a coragem de um mar inheiro

Sabe que o desconhecido é infinito 

E se aventura nos imprevistos do mar.

















terça-feira, 21 de junho de 2022

peque ou pesque um novo dia

pecado é o que se carrega, leva e não lava

pecado é o que não é só um bocado, é um todo

todo, tudo, tem pecado

teme, tememos, tremeremos ao pecado

ao pecado, ao passado, puxa!

areia pecadiça que te puxa, sem perdão.

tira o peso desse pecado, menina

tira o véu que te cobre a face, e veja,

veja, o girassol só segue o sol

e mais nada

deixe que você seja sua própria guia

deixe que suas penas sejam leves, claras,

como o dia

deixe que o certo e o errado não existam

mas você sim

e que o que mais pese

não seja o pecado

não seja o passado

seja aquele que nasce, todos os dias no horizonte, te dizendo que é um novo dia.

bom dia.




para Nádia, ou Nádia Pessoas.